quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Filtro Solar


Nunca deixem de usar o filtro solar. Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro, seria esta: usem o filtro solar! Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência, já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante. Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês.
Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude. Ou então, esquece. Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude até que tenham se apagado. Mas pode crer que daqui a vinte anos você vai evocar as suas fotos, e perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia, quantas tantas alternativas se escancaravam a sua frente. E como você realmente estava com tudo em cima. Não se preocupe com o futuro. Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que preocupação é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra. As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, e te pegam no ponto fraco às 4 da tarde de uma terça-feira modorrenta. Todo dia, enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.
Cante. Não seja leviano com o coração dos outros. Não ature gente de coração leviano. Use fio dental. Não perca tempo com inveja. Às vezes se está por cima, às vezes por baixo. A peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo. Não esqueça os elogios que receber. Esqueça as ofensas. Se conseguir isso, me ensine. Guarde as antigas cartas de amor. Jogue fora os extratos bancários velhos.
Estique-se. Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida. As pessoas mais interessantes que eu conheço não sabiam, aos vinte e dois, o que queriam fazer da vida. Alguns dos quarentões mais interessantes que eu conheço ainda não sabem. Tome bastante cálcio. Seja cuidadoso com os joelhos. Você vai sentir falta deles. Talvez você case, talvez não. Talvez tenha filhos, talvez não. Talvez se divorcie aos quarenta, talvez dance ciranda em suas bodas de diamante. Faça o que fizer não se auto congratule demais, nem seja severo demais com você. As suas escolhas tem sempre metade das chances de dar certo, é assim para todo mundo.
Desfrute de seu corpo, use-o de toda maneira que puder mesmo! Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele, é o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir. Dance. Mesmo que não tenha aonde além de seu próprio quarto. Leia as instruções mesmo que não vá segui-las depois. Não leia revistas de beleza, elas só vão fazer você se achar feio. Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora de vez. Seja legal com seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e possivelmente quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro. Entenda que amigos vão e vem, mas nunca abra mão de uns poucos e bons. Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e de estilos de vida, porque quanto mais velho você ficar, mais você vai precisar das pessoas que você conheceu quando jovem.
More uma vez em Nova York, mas vá embora antes de endurecer. More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer. Viaje. Aceite certas verdades inescapáveis: os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer. E quando isso acontecer você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes, e as crianças respeitavam os mais velhos. Respeite os mais velhos! E não espere que ninguém segure a sua barra. Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada. Talvez você case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois de repente pode acabar. Não mexa demais nos cabelos se não quando você chegar aos 40 vai aparentar 85.
Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que os oferecem. Conselho é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale. Mas, no filtro solar, acredite.
 
(Pedro Bial)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Consumindo a si mesmo


 
"Chega de perder o sono por causa de chatices corriqueiras. O segredo para a felicidade é evitar culpas e cobranças."
 
Existe uma ordem mundial contra o consumismo. É dito que ninguém é feliz pelo que compra, e sim pelo que é. Concordo, ainda mais quando se trata de exageros: gente comprando o que não pode pagar para tentar resolver carências que não consegue suprir. Porém, em vez de avaliar a questão pelo ângulo material, proponho pensarmos no que ela tem de existencial. A meu ver, o que precisamos evitar, mesmo, é o consumir-se – esse, sim, hábito danoso, pois abala diretamente nossa saúde, nosso estado de ânimo e as pessoas que nos rodeiam.
Muitos não percebem, mas se consomem por qualquer chatice corriqueira. A cada 24 horas, somos afetados pelo chuveiro que está pingando, o vizinho que reclamou do jeito que estacionamos o carro, a chuva bem na hora de sair para uma caminhada, o namorado que não retornou a ligação. Há quem abrace o papel de vítima e dê o dia como perdido por causa desse tipo de aborrecimento – que, diga-se, não acontece só conosco. Sejamos justas: por acaso temos controle sobre chuveiros, meteorologia, vizinhos, namorados? Não temos controle sobre nada. Podemos controlar um pouquinho a nós mesmos, e olhe lá.
O mundo não muda porque a gente quer, e sim porque o tornamos melhor por meio de pequenas atitudes. Uma delas é comprometer-se mais com a alegria do que com a ranzinzice. Para aliviar o cotidiano, convém relativizar as pequenas incomodações e se concentrar no que importa pra valer. Tendo calma e bom-senso, conseguimos lidar com imprevistos e rir das situações xaropes em que nos vemos metidos. Tudo compõe nossa história de vida, até as imperfeições – as alheias e as nossas.
Em dias muito ruins, aguardo o sol se pôr, abro um vinho e comemoro o fato de que a noite chegou: as encrencas terminaram (por hoje). Assim como há aqueles que nunca dormem brigados com seu amor, também não levo minha briga comigo mesma pra cama. Quando sinto que comecei a me autocastigar com culpas e cobranças, penso: "Dei o máximo de mim ao que me propus fazer – se não deu certo, paciência, todos nós temos nossos limites". Aí, desligo o abajur e zzzzzzzzzz. Amanhã é outro dia.
Não foi preciso ir à Índia nem o Tibet para atingir esse zen budismo – e tampouco é um zen budismo de farmácia. A resposta talvez esteja em muitos aniversários acumulados. De repente chega-se numa idade em que não faz mais sentido arrastar correntes e se desperdiçar com o que é improdutivo. Sendo assim, o desapego revela-se um caminho espiritual e prático ao mesmo tempo. Troca-se metas irreais por objetivos mais fáceis de atingir, troca-se o espalhafatoso pelo discreto, troca-se o exibicionismo social pelo bem-estar pessoal. Em nada isso nos reduz, ao contrário: quem é verdadeiramente grande aprende a valorizar o que é belo, simples e profundo. O resto é excesso de ocupação e de agito nos forçando a gastar energia desnecessária. A felicidade pode estar, sim, no consumo moderado de prazeres particulares: ingressos de cinema, livros, happy hours com as amigas, flores para a casa, viagens, produtos de beleza, terapia, tudo que seja investimento em descoberta e autoestima. Já consumir-se com atrasos, bobeadas e encrencas é levar a sério demais o que não tem tanta importância. E pior: envelhece.
 
(Martha Medeiros)